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Na maioria das seguradoras, a Regulação de Sinistros segue um rito tradicional.
Ele tem início com o Aviso de Sinistro do segurado à seguradora, passando depois por três etapas: a) apuração de danos, que busca a comprovação dos danos e as circunstâncias de sua ocorrência para que se possa levantar as causas, a natureza e a extensão; b) análise, que examina detalhadamente os laudos de vistoria e outros documentos bem como a apólice para verificar o que está coberto e se há riscos excluídos (não cobertos) e c) encerramento, com o pagamento da indenização ao segurado ou negativa de indenização, cabendo a seguradora fazê-lo de forma justificada.
Essas rotinas são realizadas pelo “Departamento de Sinistro” das seguradoras, formado pelos reguladores de sinistros. O regulador atua como elo entre o segurador e o segurado, buscando dar ao procedimento um caráter consensual.
Objetivos da regulação de sinistros
Os objetivos da regulação de sinistros são manter a promessa da seguradora feita na apólice e apoiar sua meta de lucro.
As pessoas compram seguro para se proteger contra perdas derivadas de determinadas riscos. Quando o segurado faz um aviso de sinistro, a seguradora é convocada a honrar a promessa feita quanto emitiu a apólice – a saber, indenizá-lo pelas perdas financeiras decorrentes do sinistro e relacionada a risco previsto na apólice.
Isso não implica que a seguradora pagará todos os pedidos de indenização. Implica que o departamento de sinistros conduzirá uma investigação de boa-fé sobre os avisos de sinistros e pagará somente as indenizações sobre riscos cobertos na apólice.
As direções das seguradoras estabelecem metas para os departamentos de sinistros. Basicamente, eles devem considerar tanto as necessidades do cliente (segurado) quanto das empresas.
O dever do segurador
O primeiro objetivo do departamento de sinistros é satisfazer as obrigações da seguradora para com o segurado, conforme estabelecido no contrato de seguro.
Em um seguro residencial, por exemplo, a promessa da seguradora é garantir ao segurado o pagamento de indenização por prejuízos na sua residência decorrentes de riscos cobertos na apólice. Em um seguro de responsabilidade civil, a promessa é pagar a terceiro em nome do segurado indenizações por danos que ele causou e pelos quais é legalmente responsável, até o limite aplicável do seguro.
O seguro é vendido não apenas como mecanismo para reparar a perda financeira do segurado, mas também para lhe dar tranquilidade. Para o segurado, o sinistro e suas consequências não são rotineiras e, na verdade, podem ser esmagadoras.
A seguradora cumpre sua promessa fornecendo então um serviço justo, rápido e equitativo seja pagando diretamente ao segurado ou seus beneficiários, como no caso do seguro residencial, seja pagando a um terceiro, quando envolve reclamação feita contra o segurado e coberta pelo seguro (caso do seguro de responsabilidade civil).
Apoio à subscrição
O segundo objetivo do departamento de sinistros é apoiar a meta de lucro da seguradora. Atingir essa meta é geralmente responsabilidade dos setores de subscrição e de marketing. No entanto, a regulação de sinistros tem um papel importante no controle das despesas e no pagamento das indenizações apenas nos casos de sinistros legítimos.
O setor de sinistros deve definir políticas apropriadas e evitar gastos excessivos internos e externos nas suas atividades. Deve assegurar justa liquidação dos sinistros, impedindo aumentos desnecessários e despesas que impliquem redução no lucro de subscrição da seguradora.
Os segurados provavelmente aceitarão a oferta da seguradora para a liquidação do sinistro se acreditarem que receberam um tratamento justo. Quanto suspeitam que estão sendo tratados injustamente podem procurar resolver a questão apelando ao órgão regulador ou à Justiça.
Em qualquer caso, para a seguradora, o contencioso gera aumento de despesas e pode fazê-la sofrer penalidade do órgão regulador. Pode também afetar sua reputação. O sucesso de uma seguradora a médio e longo prazo é refletido em uma reputação de bem fornecer o serviço contratado. Consequentemente, os dois objetivos do departamento de sinistros trabalham juntos em apoio a um negócio justo e lucrativo.
O setor de sinistros
A equipe de regulação de sinistros deve, necessariamente, ser especializada e ter conhecimento preciso das apólices que a empresa subscreve, clausulados, coberturas, riscos excluídos etc. Dada a multiplicidade de assuntos profissionais e técnicos envolvidos, a atividade é geralmente multidisciplinar de modo a que todos os ângulos do assunto possam ser abordados.
Muitos seguros, notadamente, o seguro de responsabilidade civil, são eminentemente jurídicos. Isto posto, num sinistro de RC, o exame do caso por um advogado é essencial pela necessidade de interpretar leis e normas que fazem parte do contexto da regulação. Analogamente, num sinistro de riscos de engenharia, é necessária a análise por parte de um engenheiro. A falta do profissional certo em cada caso poderá fazer com que a seguradora cometa erros, arriscando ser levada a responder no Judiciário ou no órgão regulador.
O departamento de sinistros pode ser organizado de várias maneiras. Normalmente, um funcionário sênior dirige o departamento e se reporta ao diretor executivo, diretor financeiro ou diretor de subscrição da seguradora. O diretor de sinistros pode ter uma equipe localizada no mesmo escritório em que trabalha (home office) e ter outros escritórios ou filiais no país ou no exterior. As equipes remotas podem se reportar diretamente ao home-office ou aos escritórios regionais. Cada filial pode ter um gerente de sinistros, um ou mais supervisores de sinistros e uma equipe técnica de reguladores de sinistros.
O regulador de sinistros (título genérico que se refere a todos que analisam e ajustam pedidos de indenizações de seguro) pode ser funcionário da seguradora, funcionário de firma especializada ou profissional independente.
Recebendo o aviso de sinistro
Ao receber um aviso de sinistro, o responsável pelo departamento designa um regulador para tratar do caso. O regulador deve desde logo procurar a apólice de seguro a que se refere, analisando-a de maneira lógica e completa de modo a confirmar ou não a cobertura. O regulador deve saber bem o que está coberto no caso do segurado, os limites de responsabilidade, as restrições geográficas, as exclusões de risco, condições e endossos anexados.
O passo seguinte é ler o aviso de sinistro. Esse é um dos documentos mais importantes do processo de regulação. Ele diz ao regulador o tipo, local e data precisa do sinistro; a cobertura que o segurado possui; o nome, endereço e número de telefone do segurado; o nome e endereço do corretor de seguros lhe que vendeu a apólice; se há alguém mais que deva ser contatado e como contatá-lo; e se há alguma coisa para a qual o regulador deva dar especial atenção.
Contato com o segurado
Muitos sinistros não são nítidos e dão margem a dúvidas sobre os fatos e valores envolvidos. Depois de ter reunido essas informações, pode ser necessário que o regulador se reúna com o segurado e eventuais testemunhas. O regulador deve explicar ao segurado que a apólice exige que ele prove seu sinistro para a seguradora. Para oferecer o melhor serviço possível e agir de boa-fé, muitas seguradoras contratam reguladores independentes para ajudar o segurado a comprovar a perda.
Declaração formal
Num seguro de danos e responsabilidades, o regulador deve obter uma declaração formal do segurado e das eventuais testemunhas sobre o sinistro. E obter resposta para o mais importante: quem, o quê, onde, por que, quando e como se deu o sinistro e qual a relação com a apólice do segurado.
Documentos Relevantes
No caso de um sinistro empresarial, os documentos quase sempre exigidos são os seguintes: Comprovante da razão social da empresa; Número de identificação no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) da empresa; Comprovante de endereço completo da empresa; Estatuto social vigente (cópia); Última ata de eleição da diretoria e conselho administrativo (cópia); Contrato social e última alteração (cópia); Cópia da procuração (inferior a dois anos) outorgada pelos sócios (cópia); cópias de CPF e documento de identidade dos sócios, dos terceiros, dos beneficiários e dos representantes (cópia) e cartão CNPJ (cópia).
Para comprovar os prejuízos, o segurado deverá apresentar ao setor de regulação de sinistros mais documentos, conforme a causa e o tipo do sinistro.
Num sinistro de incêndio, raio, explosão ou implosão (garantia básica do seguro multirrisco empresarial), por exemplo, os documentos adicionais obrigatórios são os seguintes: Formulário de aviso de sinistro, declaração de inexistência de outros seguros e certidão do Corpo de Bombeiros; Laudo do Instituto de Criminalística; Boletim meteorológico da região onde se encontra a empresa (queda de raio); Certidão atualizada de Registro Geral de Imóveis; Balanço patrimonial e demonstrativo de resultados do período de 90 dias anterior ao evento; Controle de estoque de mercadoria e equipamento; Controle de ativo fixo de móveis e utensílios; Contrato social e última alteração contratual; Contrato de locação, se houve; Três orçamentos visando à reparação ou substituição dos bens danificados; Comprovação das despesas incorridas em função do combate ao incêndio e/ou proteção dos salvados e/ou redução dos prejuízos; Livro de entrada e saída de mercadorias; Relação dos bens danificados, com os respectivos valores de custo de reposição, Notas fiscais dos gastos efetuados e quaisquer outros documentos que possam ser importantes para aferição das caraterísticas do sinistro.
Veracidade e legitimidade
As apólices de seguro contêm cláusulas exigindo que o segurado coopere na investigação do sinistro e apresente à seguradora documentos e informações de apoio. A documentação é importante porque facilita a investigação da veracidade e legitimidade do pedido de indenização do segurado.
Em determinadas circunstâncias, a seguradora fica isenta de qualquer obrigação de indenizar o segurado. Entre elas, estão os casos de sinistros que ocorrem por culpa grave ou dolo do segurado, de reclamações de indenização fraudulentas ou feitas de má-fé ou ainda de declarações falsas do segurado ou beneficiário feitas com objetivo de obter de benefícios ilícitos do seguro. Essas são cláusulas padrão nas apólices de seguro e o departamento de sinistros deve, em apoio ao lucro justo da seguradora e à integridade das reservas (que são recursos de todos os segurados), estar alerta a ações desse tipo e negar indenização.
A fraude em seguros pode ser “premeditada” ou “oportunista”. A fraude premeditada ocorre quando, por exemplo, o segurado dá informações incorretas na contratação de seguros tendo por objetivo a redução dos prêmios de seguros ou quando premedita ação visando obter vantagem de contrato de seguros a partir de ocorrência inexistente ou planejada de um sinistro. A fraude oportunista (também chamada “abuso”) ocorre quando, num sinistro verdadeiro, o segurado reporta danos preexistentes ao sinistro, procurando obter vantagem exagerada do contrato de seguros. A frequência é maior nas fraudes oportunistas, mas os valores envolvidos são muito menores.
Nos Estados Unidos, estima-se que a fraude em seguros de danos e propriedades atinja cerca de 10% dos custos de sinistros ocorridos a cada ano. Na Inglaterra, a Associação dos Seguradores Britânicos (ABI) detectou que os avisos de sinistros com elementos de fraude representaram 6% do valor dos sinistros ocorridos em 2016.
Da sua própria definição, depreende-se que a fraude é crime, igualando-se ao estelionato e ao dolo, sendo então passível de enquadramento no famoso artigo 171 do Código Penal. Infelizmente, os segurados estão pouco cientes desse fato e da importância de se evitar a fraude em seguros.
Sinistro e indenização
Para auxiliar o segurado em sua obrigação de provar o sinistro, o regulador deve acordar com o segurado o escopo exato da perda. Num sinistro residencial, por exemplo, o regulador deve descrever as dimensões do imóvel; listar materiais, como molduras, pisos, revestimentos de parede e acessórios; e dar informações sobre características especiais, se houver, do imóvel.
Conforme o caso, ele pode precisar de um especialista externo na avaliação e reparo do tipo de propriedade envolvida. O ideal é contratar dois especialistas que devem preparar estimativas detalhadas dos custos de reparo com base na avaliação do regulador. Este deve então preparar uma estimativa do custo dos reparos com base na comparação das estimativas feitas pelos especialistas.
Para substanciar o escopo acordado, o regulador deve fazer um inventário fotográfico e escrito completo da local do sinistro, indicando qualquer fator que possa ter causado os danos, identificando e precificando os bens e materiais danificados ou não. Os bens intactos ou parcialmente danificados, que ainda possuem valor econômico, constituem os “salvados“ do sinistro. Num sinistro de incêndio, se suspeita de ato criminoso, pode ser necessário entrar em contato com as autoridades policiais e bombeiros.
O regulador deve determinar o valor real de todos os bens segurados. Se a apólice fixar a indenização pelo custo de substituição, deve também determinar o custo para reparar ou substituir os itens danificados por outros do mesmo tipo e qualidade. Se houver cobertura para despesas adicionais, o regulador deve instruir o segurado sobre sua exata natureza. Deve obter os montantes das despesas normais do segurado com pagamentos de eletricidade, gás, água, coleta de lixo, refeições, viagens etc e assim poder calcular o que foi adicional ao gasto normal, que aquele sim será objeto de indenização.
O regulador deve obter do segurado um acordo de sub-rogação, isto é, o direito que a lei confere ao segurador de assumir seus diretos contra terceiros responsáveis pelo sinistro que gerou uma indenização. Quase todos os sinistros têm potencial para sub-rogação. O relatório final do regulador deve conter recomendações para a busca de sub-rogação e para aproveitamento ou venda de salvados, caso existam.
A reserva de sinistro
Um passo importante do processo de regulação de sinistros é a constituição da reserva (ou provisão) de sinistros a liquidar. Essa reserva é a melhor estimativa do valor monetário total que será pago pela seguradora ao final do processo de liquidação do sinistro. Ela é constituída por estimativa durante o processo de regulação, devendo seu valor ser calculado por critérios objetivos e consistentes. Tal valor só se torna exato quando já está calculado o exato valor a ser indenizado ao segurado.
Pagamento feito
Depois que os reparos forem concluídos e os itens perdidos ou danificados forem substituídos, o regulador entra em contato com o segurado para tratar da liquidação do sinistro, ou seja, o eventual pagamento em dinheiro que resta fazer para finalizar o processo. O tempo que leva para receber o pagamento dependerá da complexidade e gravidade do sinistro. Cada reclamação de indenização é diferente, mas o regulador consciencioso dedicará o tempo e a atenção necessários para resolver o caso que lhe coube analisar da maneira mais rápida e satisfatória possível.
Em caso de problema
A maior parte dos sinistros é resolvida com a satisfação de todos. Mas há casos de desacordo e o melhor a fazer desde logo é contatar e obter ajuda do corretor que vendeu o seguro e é profissional especializado.
Se continuar a insatisfação, o segurado deve entrar em contato com a seguradora que tem um processo estabelecido para atendimento de reclamações. Para a solução amigável de conflitos, as seguradoras colocam à disposição do cliente um SAC – Serviço de atendimento ao cliente. O cliente poderá ainda recorrer à Ouvidoria Corporativa da seguradora. A Ouvidoria tem o papel de atuar de forma independente e imparcial na defesa dos direitos dos consumidores em sua relação contratual com a seguradora.
Se ainda assim o segurado entender que teve seu direto negado, pode recorrer aos órgãos reguladores do governo – a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) ou, no caso do seguro ou plano de saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). As informações sobre como fazer a reclamação e a documentação necessária constam dos sítios da SUSEP e da ANS na Internet. O serviço é gratuito para os consumidores e as seguradoras devem acatar as decisões desses órgãos reguladores.
Outra instância de reclamação são os PROCON (Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor). A instância final é, obviamente, a Justiça.