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A reforma da previdência social está na ordem do dia e o Executivo acaba de levar à apreciação do Congresso sua proposta que altera diversos parâmetros do sistema atual e tem como objetivo lhe dar sustentabilidade a longo prazo.

A proposta é ponto de partida. Muita coisa pode ser alterada até a versão final a ser sancionado pelo Presidente da República.

Alguns no governo foram além declarando ser “preciso libertar o país da armadilha do sistema de repartição” que está quebrando e inviabilizará as aposentadoras e pensões dos mais jovens. Daí as autoridades terem enfatizado a necessidade de construção no Brasil de um sistema de previdência social baseado no regime de capitalização, como alternativa ao sistema atual que opera no regime de repartição.

Neste (chamado em inglês de “Pay As You Go”, PAYG), as contribuições pagas pelos segurados em cada período formam um fundo que se destina ao custeio dos benefícios a serem pagos no período.

Já no sistema de capitalização as contribuições individuais são calculadas para atender determinado fluxo de pagamentos de benefícios futuros de tal modo que o montante capitalizado dessas contribuições ao longo do tempo seja igual ao montante de pagamentos de benefícios que se fará no futuro.

É um modelo que constitui reservas individualizadas tanto para os inativos quanto para os ativos e obviamente pressupõe contribuições a longo prazo e bem aplicadas nos mercados financeiros, de capitais, imobiliários etc a fim de adicionar valor à reserva que se está constituindo.

Que o sistema de seguridade social no Brasil é inviável com os parâmetros atuais, poucos duvidam. Porém, qualquer pessoa versada no instituto do seguro sabe que o problema ali não é o sistema de repartição em si, mas muito mais o uso errado que se faz dele, particularmente, quando sob administração estatal.

A maior parte dos seguros privados rege-se por tal sistema.  Os segurados pagam prêmios que formam reservas e, dessas reservas, saem os recursos para pagamento das indenizações. Se bem calculados os prêmios, regulados os sinistros e formadas e aplicadas as reservas, todos saem ganhando: os sinistrados pelas indenizações que recebem; os não sinistrados pela tranquilidade que obtiveram e a seguradora, pelo lucro que auferiu da atividade.

Mais: o valor de cada indenização não é a derivado da capitalização dos prêmios do segurado sinistrado, mas extraído da reserva ou fundo comum constituído por todos os segurados. Esse é o princípio da mutualidade no qual se assentam há séculos os seguros: ao longo do tempo (vigência do contrato), a contribuição pequena de muitos (prêmios de seguros) financia as necessidades grandes de poucos (indenizações de sinistros).

Como dito acima, o regime de repartição funciona perfeitamente bem desde que: a) os prêmios sejam atuarialmente consistentes, ou seja, expressem exatamente os riscos e custos envolvidos num dado período de tempo; b) os avisos de sinistros sejam adequadamente regulados pela seguradora, isto é, paga-se o que for contratualmente acordado, nem mais, nem menos e c) as reservas sejam adequadamente formadas e postas a render (aplicadas).

Implícito à boa execução do contrato de seguro está o princípio da “máxima boa fé”. O seguro é um contrato inevitavelmente especulativo. A seguradora recebe as informações do segurado e, com base nelas, traça um perfil do risco e calcula a perda esperada e o prêmio. Se o segurado omite informações que agravariam o risco, ele falta com o princípio da boa-fé. O mesmo ocorre se a empresa, aproveitando-se do desconhecimento técnico dos segurados, deliberadamente esconde certas cláusulas exclusivas de risco.

A lei impõe aos contratantes o dever de obedecer ao princípio da boa-fé, pois, na falta dele, o acúmulo de prejuízos de parte a parte levaria a suspeitas generalizadas e, no limite, à inviabilização do próprio mercado. Assim é o seguro privado.

No setor da seguridade estatal, frequentemente, pressões políticas bem-sucedidas fazem com que grupos específicos reduzam suas contribuições em montante e em tempo ou aumentem seus benefícios ou ambas as coisas, sem qualquer base atuarial e, portanto, tomando carona no fundo comum composto pelas contribuições de todos os segurados. É o ataque aos princípios do mutualismo e estrita da boa-fé. Seria como uma sociedade seguradora ser obrigada a pagar a determinados segurados indenizações totalmente fora do contratado.

Adicione-se a isso a ausência de cláusulas de vigência nesses contratos em contraposição aos contratos de seguros privados: uma ou várias leis sobre o assunto são aprovadas e transmite-se à população a ideia de que, em ambiente sabidamente de grandes mutações, a lei estipula condições eternas. A decepção é inevitável.

O resultado, quando se acumulam tais distorções durante décadas, está aí, a vista de todos: a grande “seguradora estatal” (INSS e os regimes de servidores públicos) tecnicamente falida, como sabem todos.

É verdade que problemas sérios na seguridade social existem mesmo em países desenvolvidos (agrupados na chamada OCDE) e sob o referido sistema de repartição, portanto, onde a irracionalidade política inexiste ou existe em bem menor intensidade. São basicamente os fatores decorrentes do envelhecimento da população, das baixas taxas de natalidade e da insuficiência de empregos, que também ocorrem aqui.

Mas lá as soluções de consenso são também mais fáceis de obter e não é à-toa que o Brasil tenta atingir uma situação ao menos similar à da média desses países em termos de parâmetros gerais de contribuições e benefícios de aposentadoria e pensões e de reforma do sistema corrente, pleno de normas bizantinas e injustas.

E nota-se que na maioria dos casos não se passou inteiramente para o esquema de capitalização em oposição ao de repartição. Entende-se que, ao individualizar as aposentadorias e pensões, isso enfraquece o caráter redistributivo do sistema, que deve existir mormente num país com as características socioeconômicas do Brasil.

Mesmo no Chile, que foi pioneiro na adoção do regime de capitalização da seguridade social, reforma ocorrida em 2008 criou um sistema solidário financiado por impostos e beneficiando todos os cidadãos idosos (mais de 65 anos), residentes no país e que não tenham aposentadoria ou pensão em um nível mínimo definido.

Assim, na maioria dos países desenvolvidos, o sistema de capitalização foi implementado nos chamados segundo e terceiro pilar da seguridade social, isto é, como meio de complementar a aposentadoria de trabalhadores das classes média e alta.

Certas escolas de pensamento econômico enfatizam muito mais as falhas de mercado do que as falhas de governo. Seriam bom que invertessem o bordão: o mercado de seguros privados é prova de operação consistentemente bem-sucedida e ao longo do tempo de contratos tanto baseados no sistema de repartição quanto no de capitalização. Ao passo que as capacidades dos governos de operarem bem uns e outros é algo ainda raro.

A esse respeito, cabe lembrar que a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), com apoio da FenaPrevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida), Abrapp (Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar), CNSeg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização), ICSS (Instituto de Certificação Institucional e dos profissionais de Seguridade Social), entregaram em fins do ano passado ao Gabinete de Transição do presidente Jair Bolsonaro uma proposta de Reforma de Previdência. Vale a pena conferir.

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